Estórias da Caserna [8]

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Esta é uma reminiscência de quando ingressei no melhor ambiente de trabalho do planeta.

Enxotaram-me para uma salinha de 1,8×3 m onde a minha principal atribuição era controlar a ‘folha-ponto’ de um posto de saúde e preencher formulários. Tais tarefas não tomavam mais do que uma hora e o restante do tempo ficava sentado, olhando para as paredes, literalmente.

Passado uns quarenta dias, convocaram-me para uma triagem. O pessoal tinha percebido que naquela leva de nomeados tinha muita gente com graduação em ensino superior.

Só que eu não era um deles…

Assim, quando constataram que eu não tinha nenhuma qualificação, enxotaram-me para um setor que parecia uma assessoria mas na verdade a maioria não fazia nada. Então imagine alguém como eu, recém-chegado, analfabeto funcional e que nem sabia o que era um livro protocolo. Mas ainda assim, tive que aprender o que era um livro protocolo senão não faria nada mesmo.

A parte boa desta época foi que fiquei sentado ao lado de um ‘assessor’ que entendia de muitas coisas e que tínhamos diversos livros de medicina ao nosso dispor. É claro que o canhestro aqui impressionou-se com um livro de Medicina forense, pois ver tantas formas de matar e morrer descritas com aquele linguajar hermético era algo inusitado.

Foram ótimas conversas, neste período, com o ‘assessor’, que com o seu tom professoral me explicava desde coisas avançadas como Fisiologia Humana até os princípios básicos de higiene pessoal. É claro que não era todo o dia, mas isto ajudava a passar o tempo.

Ler os livros de medicina não eram pra mim naquela época, pois como analfabeto funcional, se eu não conseguia ler uma notícia de jornal, o que eu entenderia daquilo? Eu olhava as figuras… e isto também ajudava a passar o tempo.

Neste ínterim, apesar de ser um bom alvo de chacota para o grupo face o meu bucolismo crônico, eles viram que eu era um inútil mesmo, e me enxotaram para um setor operacional para ‘tirar xerox’.

E, assim, iniciou-se a minha jornada profissional.

Ainda que eu fosse um desqualificado naquele tempo, ter saído da ‘ponta’ e tocado a beirada daquela ‘panela’ fez uma diferença enorme na minha vida e nas opções futuras que tive. Qualquer um diria que foi uma jornada de crescimento e aquela besteira de autoajuda profissional que serve pra vender livros; eu digo que foi sorte, o acaso.

Não é de se orgulhar disso, mas é bem provável que se eles decidissem que eu voltasse para o posto de saúde, e eu ainda estaria controlando folha ponto e olhando para as paredes. Conheci diversas pessoas que não tiveram as oportunidades que eu tive, e que ficaram no mesmo setor, fazendo as mesmas operações mecânicas até que se aposentaram. E elas eram pessoas tão proficientes e competentes… mas só posso lamentar por este fato.

Post Scriptum: O ‘assessor’ virou secretário meses depois que eu saí de lá… tal como Pero Vaz Caminha, devia ter pedido um cargo de assessoria pra ele.

Don't be a troll; neither a pussy too.